quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O esteta

Defender a regionalização cultural pode ser facilmente comparado com "bairrismo". Mas não é.

O bairrismo hostiliza ou menospreza tudo quanto se refere aos demais: só que é meu (ou o que eu conheço) é o melhor. O outro, o diferente, o desconhecido, o novo, não merece nem mesmo consideração. Já escolho logo o que conheço, escolhendo, em última estância, eu mesmo, e estabeleço uma estética da ignorância, do provincianismo, da mesmice, de um tipo de fascismo e racismo. Num exemplo cotidiano: se a minha tia, meu irmão, minha escola está lá, numa apresentação artística, por exemplo, é o suficiente para que a coisa em si seja boa. Para que eu a escolha como boa. E no interior é quase impossível não acontecer isso.

Esse tipo de escolha é o mesmo caminho que sustenta seu oposto: a "globalização" da cultura. São roupas, informações, modos de viver, que se assume como próprio (olha o meu aí de novo) , negando o outro. Nessa suposta derrubada de fronteiras o que se faz é o contrário: ergue-se uma estética alienante cercada de auto valor por si mesmo. E só.

Mas então o que seria "regionalizar" a cultura? Seria começar um processo de auto-valorização verdadeira. Reestruturar-se a partir da única base honesta para a estética: a qualidade. Ela é que deve prevalecer na experiência sensível da arte e não o critério mesquinho de "se conheço, eu gosto, se é meu, eu gosto". Seria desprender-se de valores egoístas e mesquinhos e buscar a profundidade da experiência cultural.

Mas isso implica em esforço. E muito. E de todos.
Requer, antes de tudo, coragem para mudar.


Deixar de acreditar na mesmice - que paralisa, e dá uma certa idéia de conforto e partir para a ação. Acreditar que há muito que eu não conheço e pouco que tenho feito. É parte da sociedade agregar valor à estética, mobilizar-se em formas de apoio cultural (comerciantes, empresários, profissionais liberais, industriais) o que seria a carta de alforria da cultura em relação ao "mercado cultural" - que de cultural não tem nada. Seria jogar-se num imenso propósito de unir professores, empresários, artistas, em busca da qualidade. Abrir portas para a possibilidade cultural. Colocar um grupo de teatro, de música, de artistas em cada escola, clube, praça.

Exigir a construção de teatros, cinemas e livrarias para a cidade com o mesmo empenho que se exigem escolas, hospitais e creches. Exigir das televisões um mínimo vínculo com a realidade que se vive e não aceitar passivamente a novela sempre estrangeira ( seja mexicana ou carioca).Tudo isso é essencial para completude do ser humano, da cidadania. Preservar o artista, fazendo de si um mesmo. Fazer cursos de arte, ir a centros culturais, cinemas, ler.

Não se é humano sem arte. Ou se é apenas corpo.

Regionalizar a cultura é partir para a estruturação de um país melhor. É mudar o arquétipo do caipira burro, ignorante, iletrado, de modos rústicos, para o ser humano integrado com a natureza, com seus sentidos abertos para entendê-la, percebê-la, senti-la. Como uma pessoa que adota uma atitude requintada com relação à arte e à vida.

Regionalizar a cultura é acreditar que o caipira não é um bronco, mas um ser ligado essencialmente à experiência dos sentidos.
Um esteta.

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