quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Amor, sexo e propriedade privada

Num devaneio, associo a crônica "Amor e Sexo", do Arnaldo Jabor, a belezura da música da Rita Lee e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Onde vejo o ponto comum?

Na possibilidade da legitimação da propriedade privada.

Como podemos justificar, na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, a propriedade privada (Art. XVII)? Se fossem direitos civis, ainda vá lá. Ainda sim teríamos pano pra manga: como é o processo de apropriação? É meu por que assim o digo, ou digo assim por que é meu? Então, como se fosse natural, por que se é humano, pode ser natural, transmite-se bens de pais para filhos, em longos inventários. Proprietários, uma vez, sempre proprietários. Essa sim a verdadeira herança de sangue. Como coloca Rousseau, a sociedade civil nasce, dentre outros concursos fortuitos, no momento em que um de nós determina: Isto é meu. Insensivelmente meu. Se você não tem um pedaço de alguma coisa pra chamar de seu, ou a culpa é sua, ou o problema não é meu.

Daí para a crônica do Jabor, é um pulinho. A propriedade privada, já legitimada pela Declaração e pela civilização, passa a valer para nossos corpos. Quando digo “nossos corpos”, recorto os nossos mesmo: o corpo das mulheres. Corpos cheios de donos. Obsessivamente controlados em seus pesos e medidas, seus passos, seus padrões e castidades. Inventa-se a cama de casal. Espera-se juntar, enfim, amor e sexo. E propriedade. Propriedade agora que pretende invadir nossa imaginação. (Que mais faz a Igreja senão lutar desesperadamente para controlar o voo livre da nossa irreverente imaginação?)

Aparece então a
Rita Lee, maluca beleza, e escancara nessa música nosso estica-e-puxa entre amor, sexo e propriedade. Joga na cara. Pelos ouvidos.

E a música, a crônica, a reflexão, o amor, o sexo, são todos muito bons.
Excitantes.
Já pensou então sem a propriedade privada?
Com a imaginação solta pela relva?
Ouve!
E imagina.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Fracos heróis

Triste do país que precisa de heróis.
A frase, que não é minha, mas de Bertold Brecht, escancara-nos.

Nós,
povo brasileiro,
ainda precisamos de bolsa-família
bolsa-leite,
programas de aceleração,
de bússola, de alguém, enfim, que seja nosso norte.
Nosso herói.
Precisamos de heróis.

Precisamos de olimpíadas, copa do mundo.
Ainda temos que provar a nós mesmos que o mundo repara em nós.
Ganhamos a Olimpíada.
Ganhamos a Copa do Mundo.
Ganhamos o quê?
Nossos atletas suam mais que podem a camisa.
E choram, no pódio, ao ver a Bandeira do Brasil.
Precisamos de heróis. Olímpicos.


Nosso dinheiro escorre por nossa corrupção.
Não há estrutura capaz de segurar um
apenas um mau-caráter
que sendo segurança rouba uma prova.
Nosso caráter é de herói fraco.

Herói que se vende por 500 mil.
Bolsa pra família.

O Nobel da Paz, realmente nobre.
Valorizou o ganho do espaço da Olimpíada
"Façam, cresçam".

Mas nós estamos ainda parados no vestibular.
Nem conseguimos aplicar nosso Enem.
Que venham as competições.
Para que um dia não precisemos mais de heróis.
Tenhamos, enfim, cidadãos.

Parabéns ao Nobel da Paz.

Homem.
Anti-herói.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A pior religião

Perguntei ao Dalai Lama:
Qual a melhor religião?

Eis a resposta:

A melhor religião
É a que te aproxima de Deus, do Infinito.
É aquela que te faz melhor: mais compassivo, mais sensível, mais desapegado, mais amoroso, mais humanitário, mais responsável, mais ético.

Acrescento:
Não me interessa a tua religião, ou mesmo se tens ou não religião. O que realmente importa é atua conduta perante teu semelhante, tua família, teu trabalho, tua comunidade, com o mundo".
Leonardo Boff





Eu digo:
A pior religião é aquela que contra a própria etimologia da palavra não une, não religa: separa. Secciona o céu, tomam para si o trabalho de Deus e determinam quais os escolhidos fazendo um apartheid entre irmãos. Gente que não comparece a casamentos de família por que “aquela igreja tem imagens”, separa. Ou que estigmatizam as mães de santo como “mães de encosto”, desune.
Isso é coisa do demônio, palavra que escorrega da boca dos “religiosos” em número maior de vezes do que pisam os olhos. São, com essas palavras e ações, arautos dele. Ou quem sabe da religião dele.

A melhor religião, une.
Nem precisa existir: basta religar homem a si, ao Espírito, ao seu próximo.

Sem frescurada.

Ouvir estrelas


"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto ...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

Olavo Bilac


Ouço-as.
E sei
assim
que amo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Timbalada

Os Deuses da Morte
Deus Eterno
Deus Imutável
Deus Finito
trazem para as Musas da Vida
Musa Alegria
Musa Prazer
Musa Delícia
uma filha linda
princesa do Silêncio
irmã do Medo:

a Dor.

Mas Deus Movimento
transforma Dor em Vida
e vida continua.


Assim depois do Inverno
vem a Primavera
e nós estamos quase no Verão.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Luzes

"Não é sobre as idéias de outrem que escrevo, mas sobre as minhas. Não vejo as coisas como os outros homens, faz muito tempo que me chamaram a atenção para isso. (..)

Ao expor com liberdade meu sentimento, pretendo tão pouco que ele faça autoridade, que sempre acrescento minhas razões, para que ponderem e julguem.(...)

Digo exatamente o que se passa em meu espírito."

Jean Jacques Rousseau


Rousseau aparece, ilumina, como uma opção.

Iluminista de coração, coloca o coração junto com a razão.

Escreve para as mães, em seu Emílio.
Qual pensador as pensou?

Coloca moral e política, lado a lado. Inseparáveis.

Pensa com a natureza.
Ela, a grande mestre. As coisas e só depois o homem.

Espera o tempo de maturação e o contrário disso faz-se desnaturado.
É preciso aprender com a natureza, deixar que ela nos ensine. Ecologista?

Cronologicamente é moderno, e nós pós-modernos. Que quereria dizer pós-moderno?
Rousseua, um pensador atemporal, que acrescenta. Descobri-lo, ao tempo da natureza, como uma árvore que cresce e demorá décadas para dar frutos.

Com ele acalmo meu coração, encontro um amigo. Um igual. Um que fala extamente o que se passa no espírito. Sem manipulações (ou o mínimo delas).

Com ele discuto, coloco minhas razões e ouço as dele.
Aprendi assim: falo, sim, extamente o que vai me meu espírito, e espero essa sinceridade do outro.

Ingenuidade?
Não acredito; ao contrário, uma crença firme no caráter humano.
Mas antes ingênuo que mau-caráter.

Antes bom selvagem, que apenas selvagem.
Que cresçam os jovens aos olhos públicos, na festa pública.