quarta-feira, 29 de julho de 2009

Bilhete

Nossa casa, nossos irmãos, nossos pais estão em toda nossa volta.
São todos que encontramos.
Monja Coen Shingetsu
Bilhete para meu pai:
Você
que não era monge
que eu saiba
ou não aparentava ser,
com palavras
e ações
viveu a família
de todos que encontramos.
Sempre dizia
família não é
apenas
aqueles que nascem
juntos.
Meu bilhete é para dizer
que apesar de você ter ido
para outro plano
cedo demais
rápido demais
e faz uma falta danada pra mim
de nada me arrependo:
de novo faria a mesma escolha.
Viveria na sua casa
com seu olhar
suas palavras
seu carinho.
Era meu escudo contra as loucuras dos que querem destruir todas as possibilidades de família...
Hoje,
sozinha,
aprendo a viver como você:
sozinho de família de sangue.
Mas encontrando a família
dos que estão à minha volta.
Eu te amo.
Receba na estrela em que mora hoje meu afeto.
Magali

Varinha de Condão










Aquela casa do juiz em Araçatuba é que era uma casa.
Tinha tanto espaço e uma garagem enorme.



Da varinha de condão me lembro a peça de teatro.

Escrevi.
Dirigi.
Fiz o cenário e figurinos.
Bilheteira.
E personagem.

Toda a turma da rua veio asisitir.
As cadeiras foram ocupadas.
Começa o espetáculo e as personagens entram em cena: uma fada e uma bruxa.
Mundo simples e maniqueísta. Mundo de criança.Com um olho no futuro.

Fiz a bruxa, embora tenha escrito para mim o personagem da fada. Percebi desde lá que existem aquelas pessoas que pouco fazem e só aparecem para... aparecer!Vampiros. Exigiu ser a fada, para que o espetáculo acontecesse. E eu, para que o espetáculo acontecesse - minha alma estava nele - fiz a bruxa. Afinal, que seria de uma fada para provar sua "fadice" se não houvesse uma bruxa, espalhando sua "bruxice"?

Quem seria afinal o protagonista?
Foi muito bom, muito pleno.

Lembro da confecção dos figurinos, dos chapéus bicudos, estrelados: azul para a fada; preto para a bruxa. Da arrumação das cadeiras. Dos meus amigos chegando. Os bilhetes. A cena acontecendo. Os aplausos.

Nasceu uma atriz que escreve e produz seus espetáculos.




terça-feira, 28 de julho de 2009

Herança


Muito bacana o passeio pela Casa dos Contos.

Tanta memória preservada que dá gosto.

Toda travessia é auxiliada por mocinhas delicadas que nos orientam. Solícitas a cada pergunta.

Exceto na Cozinha dos Escravos.
Ali o sol é pouco.
Ali a memória foge ficar escondida.

Instrumentos de repressão, expostos, em redomas.
Algumas aquarelas, delicadas, nos dão um pouco a idéia da crueldade dos equipamentos.


O vigia do local, negro, reclama da falta da presença das mocinhas ali em embaixo também. Afinal, a Senzala faz parte do Museu. Mas, ao mesmo tempo, explica, com certo orgulho e dor, tudo que lhe perguntam. Vê-se no seus olhos a memória viva da raça. E a força de ter aprendido as respostas.

Explica: ali não se pode fotografar.
Todo o Museu foi livremente fotografado. Ali, não pode. Diz que foi por causa do uso indevido das fotos. Quem terá espalhado nossa memória, assim, descaradamente? Não pode! Isso fica nos porões!

Todo o caminho leva à nossa herança: um modo de pensar colonialista: imitamos nossos colocnizadores, seja em que época for. Um estilo de vida coronealista: manda quem pode, obedece quem não quer ir para o tronco. Valem as hierarquias. Vale quem pode mais.
Vale quem chegou primeiro.
Olhar essa Senzala balança firme posicionamento contra a política de cotas.
Ruim com elas, pior sem elas.
Uma dívida, que não se pagará jamais.
Dor, que não se apagará no fundo do museu.


No espólio de um país morto em sua macaquice colonialista,
o ouro é preto, mas o valor é branco.


Ouro Preto - Mariana

de trem, que calma, que delícia!

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Pregação

Templo é dinheiro




suspira o pastor
Rico
Dono de TV
Rádio
e loteamentos do céu!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Sentença Condenatória de Tiradentes

Justiça que a rainha Nossa senhora manda fazer a esse infame réu Joaquim José da Silva Xavier pelo horroroso crime de rebelião e alta traição de que se constituiu chefe e cabeça na Capitania de Minas Gerais, com a mais escandalosa temeridade contra a real soberania, e suprema autoridade da mesma Senhora que Deus Guarde.
Manda que, com baraço e pregão, seja levado pelas ruas públicas desta cidade ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que separada a cabeça do corpo seja levada a Vila Rica, onde será conservada em poste alto junto ao lugar de sua habitação, até que o tempo a consuma; que seu corpo seja dividido em quartos, e pregados em iguais postes pela estrada de Minas Gerais, nos lugares mais públicos, principalmente no da Varginha e Cebolas; que a casa da sua habitação seja arrasada e salgada, e no meio das suas ruínas levantado um padrão em que se conserve para a posteridade a memória de tão abominável réu e delito, e que ficando infame para seus filhos e netos, lhe sejam confiscados seus bens para a Coroa e Câmara Real.


Rio de Janeiro, a 21 de Abril de 1792
E eu o Desembargador Francisco Luís Álvares da Rocha,
Escrivão da Comissão que o sob escrevi,
Seb. "X" de Vasc. "Cout".









Comentários:


1. Era militar: ninguém fala.


2. Enforca, esquarteja, salgua, pragueja. Mas precisa ainda confiscar os bens? Hum...






domingo, 5 de julho de 2009

VIDA

Filha querida,
eu te amei mais do que pode
alguém na Terra amar.
Eras para mim a esperança,
o futuro, eras tudo.
Mas também eras rebelde,
ainda que para ti eu fosse, igualmente,
a esperança e o futuro.

A vida colocou pedras em nossa estrada
e, ingênuos, nelas tropeçamos.
Viraste à esquerda, eu à direita,
outros continuaram em direção ao centro.
Porém,
a linha reta leva ao lugar comum
e só as derivantes
conduzem a espaços inexplorados.

No círculo normal da esquerda
para a direita
e da direita
para a esquerda,
tenho certeza de que um dia
riremos, no além,
das travessuras que fizeste
e dos tapas que te dei.
Sim,
porque lá, dizem,
fazemos o que queremos
e queremos o que fazemos.

Teu sorriso
será eterno e imutável no Cosmos,
Minha paciência,
e meu amor, tenhas certeza,
será maior do que o infinito e, juntos,
choraremos pelos que não nos entenderam !
Perdoa-me por ora,
querida,
abraça-me depois.
E quando daqui partires
para beijar-me no céu,
não esqueças
de levar a espada
que te dei,
com muito critério:
é o símbolo do ataque
— morte —
e da defesa
— vida —
dos nossos choros
e dos nossos risos.



31.08.80

Estrelas

Minha lágrima
pingou,
cristalizou,
virou estrelinha.

Escorreu,
bateu no dedão,
não a quiseram:
foi para o céu.

Brilha lá,
pequenina...

E eu cá,
quando a dor aperta,
pingo outras estrelinhas,
e mais outras ainda...

Um dia terei uma constelação
e ninguém vai entender porque!


Magali (set/1981)

GAIOLA ARBITRAL

Hoje, dás os primeiros passos
relativamente autônomos.
É o mundo das obrigações reais
que se abre aos olhos do jovem,
diferente do mundo até agora
meramente de direito,
ou predominantemente de direitos.
É o início da caminhada
rumo ao controvertido,
ao incompreendido,
ao repulsivo
e até mesmo inconseqüente
mundo dos dirigente.
É o universo obrigacional
terrivelmente disforme, cruento,
porque esteriotipado no
complexo comportamento do humano.
É a primeira e mais importante
etapa de desvinculação
do poder tirânico,
mas também o rimeiro sentir
da transmudação da autoridade.

Muito foram os embates;
muitas foram as derrotas;
muitas as conseqüências e
muitos os choques opinativos,
porém, necessários.
Necessários
para não se transforma em surpresa
o óbvio da adversidade
perene e indestrutível
da incompreensão terrestre.
Várias das disputas perdi, e me senti feliz;
outras, venci
e me senti derrotado.
Também quase perdi
(ou perdi totalmente)
a liberdade de libertar...
E na estreita esfera
da minha gaiola arbitral
não sei se não matei
o pássaro irreverente
que se atrevia a tentar passar pelos arames,
feitos grades enjaulatórias,
do estreito universo liberal do homem.
Contudo,
da refrega seguramente ficou,
incrustada no livro da consciência,
a verdade que um dia a História Cósmica
provará:
Houve um pai, com amor,
e houve uma filha, adorada.


Parabéns (21.11.80).

AO MEU PAI

Que pena ter só um pai.
Já pensou que maravilha
um montão de “coroas” (?)
Me chamando de filha?
Mas todos, sem exceção,
Teriam que ter exatamente
Esse seu jeitão
De quem não bate
Pra não machucar;
De quem esquece, mas
Às vezes chega a gritar;
Certeza de tudo que faz
E no coração um realmente.
Terão que ter o pé não muito cheiroso
E o nariz um tanto volumoso
E que estejam sempre lendo.
Que sejam loucos por cocada
E sempre estejam ensinando.
Terão de gostar de um sambinha
Sem muito desprezar a discoteca,
Gostarem de cerveja geladinha
E soltar algumas piadinhas.
Não! É simplesmente impossível
Existirem pessoas ou alguém simplesmente
Que seja como acabei de falar.
Porque só você é assim
Porque só você é realmente
Quem eu posso com muito orgulho
Chamar de “Meu Pai”.

(21.05.1.979)

Liberdade

Espaço de liberdade.

Quem fala o que quer,
não tem rabo preso.

E repete.

Como diz Gaiarsa: todos controlam todos para que ninguém faça/diga aquilo que todos têm vontade de dizer/fazer.


Olhe a paisagem.
Respire.
Seus brônquios inflamados refletem os sapos mentirosos instalados na corrente sanguínea.

Vomitando sapos

Dor de garganta.
Febre.
Mal-estar?

Gripe suína?

Não: falta de vomitar sapos entalados na goela.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Doce de estrela: sonho

Não sei se conheço pessoas doces. Algumas agri-doces.

Talvez uma.

Ioná.
Um nome curto. Singelo. Meigo.
Como seu olhar.

Às vezes escondida numa proteção de dureza, de um enrijecimento aparente. Palavras que contradizem o olhar.

Eu sonho a Ioná com uma mochila nas costas, voando seus sonhos. Livre como uma pipa colorida dançando no céu azulado. Mais: livre como uma própria estrela, multileve, multisorriso, multicriativa.

Ioná é uma estrela que alegra o coração da gente.

Seria uma indiazinha perdida na nossa selva dura?

Seu abraço e seu coração no meu peito: doce sonho. De valsa.
Eu sonho a Ioná. Um sonho: aquele doce muito fofo, preparado com farinha de trigo cozida, leite e ovos, frito em gordura quente, e passado em açúcar e canela, ou servido com calda rala, podendo também ser recheado.
A Ioná é assim: com canela, recheio, brilho, no céu ou no mar: muito fofa.

Doce.