Nos sentidos do corpo
possibilidades de sentidos da vida social
E se os cinco sentidos do corpo estruturassem a sociedade civil?
Do tato
uma sociedade imediatista
que sente ou não sente
aquela "coisa de pele" que não se controla
mas que pode ter "tato", jeito para lidar com o outro.
E, quem sabe, dando sua mão à palmatória quando errar.
Do paladar
uma sociedade estreitamente organizada
doce é doce; salgado, salgado;
rico é rico; pobre, pobre.
Relações intensas, de satisfação breve
por isso comendo com olhos, no exagero.
Do olfato
uma sociedade etérea
de reminiscências e imaginações
Relações mais longas
com lembranças e novas possibilidades.
E delicada, descobrindo o melhor nos menores frascos.
Da visão
uma sociedade enganada
que "vê" o sol se pondo
e o avião pequeno no céu
Pensando rápido como enxerga: sem reflexão
Relações humanas fundadas no "parecer"
Como se uma imagem valesse por mil palavras.
Da audição
uma sociedade que ouve
e pode ouvir o outro, com o ouvido externo
e a si próprio, com o interno.
Relações calmas, profundas
reflexivas.
Atentas à harmonia geral.
sexta-feira, 24 de junho de 2011
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Dèjá vu
Eu sinto
certo cansaço
do passado
que me pesa
E um certo
dèjá vu
no futuro
cansado do passado
que replica.
domingo, 19 de junho de 2011
Carta às mulheres
Hoje falo comigo
Esse dia chega.
Eu, há mais de dezessete mil dias
com a mulher que sou
com as mulheres vivas
que sonham família
amor, afeto, cumplicidade, intimidade
Hoje me divorcio
depois de vinte anos casada
duas décadas de dedicação período integral,
com exclusividade
com exclusividade
sete mil e trezentos dias
empenhada em construir o maior sonho: minha família
empenhada em construir o maior sonho: minha família
sete mil e trezentas noites
dedicada a dar e encontrar prazer, afeto, intimidade
dedicada a dar e encontrar prazer, afeto, intimidade
um dia fértil e fecundo: Felipe
meu coração em forma de filho
eternamente dias de amor - pra sempre
dois mil e quinhentos dias de desespero
frente à dependência química
frente à dependência química
quatro mil setecentos e seis - só por hoje
lado a lado na recuperação
lado a lado na recuperação
espaço do acolhimento para o crescimento
fora da anestesia
fora da anestesia
Um dia construído
por três mil e seiscentos outros de afastamento
por três mil e seiscentos outros de afastamento
E esse dia,
que não pensei que chegasse,
que não pensei que chegasse,
chega.
Com ele
o peito rasgado
e aprendizado de ser mulher.
o peito rasgado
e aprendizado de ser mulher.
Esse dia chega.
Dói. E acalma.
Para as mulheres que como eu sonham
e se dedicam à família,
lembrem-se de si próprias.
Todos os dias de sua existência.
Sem exceção.
A cada manhã
junto com o café
no espelho com batom:
- eu me dedico mais a mim que a qualquer outra coisa?
- eu tenho vida útil caso meu casamento acabasse agora?
Os contratos
de casamento
de trabalho
de família
de beleza
exigem desmesuradamente da mulher.
Talvez numa expiação
por desde Eva a culpa nos ombros
por querer provar do conhecimento.
por desde Eva a culpa nos ombros
por querer provar do conhecimento.
Não se nasce mulher. Torna-se.
Diz Simone de Beauvoir.
Belo olhar.
Digo para mim com amor
para as outras mulheres tão como eu
para as outras mulheres tão como eu
Eu, há mais de dezessete mil dias
desejando dezenas de dias felizes
por vir.
sexta-feira, 17 de junho de 2011
Justiça seja feita
Meu pai foi um homem simples.
Mas dedicado.
Filho de uma dona de casa e um caminhoneiro, irmão de taxista e balconista, mudou o patamar (para não dizer "casta", já que oficialmente não existe no Brasil) de sua família.
Tornou-se doutor: Dr. Filardi. Advogado.
Depois: juiz de direito.
Mandou prender o Fleury, chefe do Esquadrão da Morte.
Arquivou o processo da Elis Regina, "em respeito à mãe, mulher e artista".
Transformou nossa casa em local de trabalho para muitos albergados que não conseguam emprego para manterem sua liberdade condicionada: o Pelezão, estelionatário, era nosso jardineiro e mestre na arte de ensinar a nó, eu e minha irmã, a empinar pipas; a Vanda, era nossa faxineira. E tantos outros.
Crescemos convivendo com um homem de imenso coração, ciente de suas responsabilidades como pai, filho e marido. E provedor, que era.
E nosso padrão ficou alto: aos homens que nos rodeam, sempre a comparação.
Um homem que cresceu com seu trabalho. Que soube, além de trabalhar, construir nome, carreira e bens.
Um homem que, desfazendo um casamento de 32 anos, preocupava-se em "deixar bem a esposa, sem que nada lhe faltasse". Inclusive no futuro. Tinha a visão da responsabilidade de ser provedor e coração para manter-se assim, mesmo depois de acabado o amor.
Um homem que deixou filhas, esposa e irmãos, cada um do jeito cabível, amparados.
Eu agradeço ao meu pai todo o empenho de sua vida.
Sua preocupação com suas filhas. Com sua esposa.
O exemplo de Homem, com H maiúsculo, que ele me deu.
Agradeço seu apoio emocional e, principalmente hoje, seu amparo material.
É na casa que ele me deixou que moro e outras coisas mais que dele ainda vêm.
Mesmo depois que você se foi, virou estrela, não me desamparou.
Pai, obrigada!
Por tudo.
Acima de tudo pelo exemplo que posso passar, para meu filho.
Um homem. Que desejo, com H maiúsculo.
sexta-feira, 3 de junho de 2011
Sol
Eu preciso
muito
do sol
hoje.
Agora.
Meu corpo dói
Minha garganta fecha
Meu pé incha
Meu peito chora
Gelo
Parece que um rio congelado
quebrou
e caí
Eu to aqui embaixo
viva
Eu quero voar
Eu quero derreter.
Eu preciso do sol.
Eu preciso do sol.
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