sexta-feira, 24 de junho de 2011

Os sentidos do corpo social

Nos sentidos do corpo
possibilidades de sentidos da vida social


E se os cinco sentidos do corpo estruturassem a sociedade civil?


Do tato
uma sociedade imediatista
que sente ou não sente
aquela "coisa de pele" que não se controla
mas que pode ter "tato", jeito para lidar com o outro.
E, quem sabe, dando sua mão à palmatória quando errar.


Do paladar
uma sociedade estreitamente organizada
doce é doce; salgado, salgado;
rico é rico; pobre, pobre.
Relações intensas, de satisfação breve
por isso comendo com olhos, no exagero.


Do olfato
uma sociedade etérea
de reminiscências e imaginações
Relações mais longas
com lembranças e novas possibilidades.
E delicada, descobrindo o melhor nos menores frascos.


Da visão
uma sociedade enganada
que "vê" o sol se pondo
e o avião pequeno no céu
Pensando rápido como enxerga: sem reflexão
Relações humanas fundadas no "parecer"
Como se uma imagem valesse por mil palavras.


Da audição
uma sociedade que ouve
e pode ouvir o outro, com o ouvido externo
e a si próprio, com o interno.
Relações calmas, profundas
reflexivas.
Atentas à harmonia geral.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Dèjá vu

Eu sinto 
certo cansaço
do passado

que me pesa


E um certo 
dèjá vu
no futuro

cansado do passado

que replica.

domingo, 19 de junho de 2011

Carta às mulheres

Hoje falo comigo
com a mulher que sou
com as mulheres vivas
que sonham família
amor, afeto, cumplicidade, intimidade

Hoje me divorcio
depois de vinte anos casada
duas décadas de dedicação período integral, 
com exclusividade

sete mil e trezentos dias 
empenhada em construir o maior sonho: minha família
sete mil e trezentas noites 
dedicada a dar e encontrar prazer, afeto, intimidade

um dia fértil e fecundo: Felipe
meu coração em forma de filho
eternamente dias de amor - pra sempre

dois mil e quinhentos dias de desespero 
frente à dependência química
quatro mil setecentos e seis - só por hoje
lado a lado na recuperação 
espaço do acolhimento para o crescimento 
fora da anestesia

Um dia construído 
por três mil e seiscentos outros de afastamento
E esse dia, 
que não pensei que chegasse,
chega.

Com ele 
o peito rasgado 
e aprendizado de ser mulher.


Esse dia chega.
Dói. E acalma.

Para as mulheres que como eu sonham
e se  dedicam à família,
lembrem-se de si próprias.
Todos os dias de sua existência.
Sem exceção.

A cada manhã
junto com o café
no espelho com batom:
- eu me dedico mais a mim que a qualquer outra coisa?
- eu tenho vida útil caso meu casamento acabasse agora?


Os contratos
de casamento
de trabalho
de família
de beleza
exigem desmesuradamente da mulher.

Talvez numa expiação
por desde Eva a culpa nos ombros
por querer provar do conhecimento.

Não se nasce mulher. Torna-se.
Diz Simone de Beauvoir.
Belo olhar.

Digo para mim com amor 
para as outras mulheres tão como eu


Eu, há mais de dezessete mil dias
desejando dezenas de dias felizes
por vir.




sexta-feira, 17 de junho de 2011

Justiça seja feita







Meu pai foi um homem simples.
Mas dedicado.










Filho de uma dona de casa e um caminhoneiro, irmão de taxista e balconista, mudou o patamar (para não dizer "casta", já que oficialmente não existe no Brasil) de sua família.
Tornou-se doutor: Dr. Filardi. Advogado.


Depois: juiz de direito.


Mandou prender o Fleury, chefe do Esquadrão da Morte.
Arquivou o processo da Elis Regina, "em respeito à mãe, mulher e artista".
Transformou nossa casa em local de trabalho para muitos albergados que não conseguam emprego para manterem sua liberdade condicionada: o Pelezão, estelionatário, era nosso jardineiro e mestre na arte de ensinar a nó, eu e minha irmã, a empinar pipas; a Vanda, era nossa faxineira. E tantos outros.





Crescemos convivendo com um homem de imenso coração, ciente de suas responsabilidades como pai, filho e marido. E provedor, que era.

E nosso padrão ficou alto: aos homens que nos rodeam, sempre a comparação.




Um homem que cresceu com seu trabalho. Que soube, além de trabalhar, construir nome, carreira e bens.


Um homem que, desfazendo um casamento de 32 anos, preocupava-se em "deixar bem a esposa, sem que nada lhe faltasse". Inclusive no futuro. Tinha a visão da responsabilidade de ser provedor e coração para manter-se assim, mesmo depois de acabado o amor.


Um homem que deixou filhas, esposa e irmãos, cada um do jeito cabível, amparados.


Eu agradeço ao meu pai todo o empenho de sua vida.
Sua preocupação com suas filhas. Com sua esposa.
O exemplo de Homem, com H maiúsculo, que ele me deu.
Agradeço seu apoio emocional e, principalmente hoje, seu amparo material. 
É na casa que ele me deixou que moro e outras coisas mais que dele ainda vêm.





Mesmo depois que você se foi, virou estrela, não me desamparou.

Pai, obrigada!

Por tudo.








Acima de tudo pelo exemplo que posso passar, para meu filho.
Um homem. Que desejo, com H maiúsculo.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sol

Eu preciso 
muito 
do sol 
hoje.

Agora.

Meu corpo dói
Minha garganta fecha
Meu pé incha
Meu peito chora

Gelo
Parece que um rio congelado
quebrou
e caí

Eu to aqui embaixo
viva
Eu quero voar
Eu quero derreter.

Eu preciso do sol.

Eu preciso do sol.