sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O selvagem e o amor, por Rousseau

“Comecemos por distinguir, no sentimento do amor, o moral do físico. O físico é esse desejo geral que leva um sexo a unir-se a outro. O moral é o que determina esse desejo e o fixa exclusivamente num só objeto ou que, pelo menos, faz com que tenha por esse objeto preferido um grau bem maior de energia. Ora, é fácil compreender que o moral, no amor, é um sentimento artificial, nascido do costume da sociedade e celebrado com muita habilidade e cuidado pelas mulheres.

(...) Esse sentimento, baseado em certas noções de mérito e beleza, que um selvagem é incapaz de ter, e em comparações que (o selvagem) não está em condições de fazer , deve ser quase nulo para ele. Isso porque, posto que seu espírito não pode engendrar ideias abstratas de regularidade e proporção, seu coração também não é capaz de sentimentos de admiração e de amor que, mesmo sem se perceber, nascem da aplicação dessas ideias. Ele ouve unicamente o temperamento que recebeu da natureza e não o gosto que não pôde adquirir – qualquer mulher lhe convém.

A imaginação não atinge corações selvagens; cada um recebe calmamente o impulso da natureza, entrega-se a ele sem escolha, e uma vez satisfeita a necessidade, extingue-se todo o desejo.

É, pois, incontestável que o próprio amor, assim como todas as outras paixões, só na sociedade adquiriu esse ardor impetuoso que muito frequentemente o torna tão funesto aos homens e é tanto mais ridículo figurar selvagens esganando-se sem tréguas para satisfazer à sua brutalidade. Quanto às induções que poderiam inferir, em muitas espécies de animais, dos combates dos machos ao disputarem a fêmea, é preciso começar por excluir todas as espécies nas quais a natureza estabeleceu, no poder relativo dos sexos, relações nitidamente diferente das nossas. (...) Em nenhum dos casos se aplica à espécie humana, na qual o numero de fêmeas sobrepassa em geral o de macho.

O homem selvagem, sujeito a poucas paixões e bastando-se a si mesmo, não possuía senão os sentimentos desse estado, na qual só olhava aquilo que acreditava ter interesse de ver, não fazendo sua inteligência maiores progressos que a vaidade.”


Jean Jacques Rousseau
Discurso sobre a origem da desigualdade (p.255).



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