Amigo Rousseau,
vou lhe contar, com detalhes,
uma tarde, deliciosa, que passei no MASP,
aquele museu que você já conhece, mas esqueceu. Você tem se comportado como um velho, apesar de seus 300 anos...
Uma tarde que foi um bálsamo para os meus cinco (seis)
sentidos.
O almoço, leve e lindo, estava uma delícia. A
sobremesa, nem posso comentar senão engordo de novo. E sei que vai me criticar,
por que considera que a “gulodice é o vício dos
corações sem fibra”. Desculpe, foi irresistível. Se só é possível filosofar em alemão, é impossível
diante de uma mesa farta.
Como te conheço, e sei que acredita que existe uma correspondência
entre o paladar e o olfato, já aproveito o assunto pra te contar que o cheiro daquele
lugar era sutil. Por isso, muito agradável.
Não havia música ambiente. Pude ouvir o silêncio. Além
dele, alegres e gentis palavras. Meus ouvidos não identificavam tudo, mas
ouviam. Sim, eu sei, que a audição é o mais completo dos sentidos, sob seu
ponto de vista, mas o que posso fazer se minha alma estava escutando além dos
meus ouvidos? E encantando-se. A musicalidade das palavras substituiu os
elementos do discurso.
Eu, que ainda não aprendi a ver, gostaria
muito de ter tocado os quadros, as obras de arte expostas ali. Eu queria muito
ter sentido aquele quadro vermelho do Modigliani que acordou meus olhos. Ou o
Rosa e Azul, tão brilhante de perto, cheio de relevos... Eu não pude tocar as obras, mas nem por isso, a pele,
ou a sentinela contínua, como você a chama, ficou esquecida. Eu fui tocada.
Ela, espalhada por toda a superfície do corpo para advertir de tudo que possa
ofendê-lo, relaxou. Sentiu-se bem. É, Jean-Jacques... aqui concordo
inteiramente contigo... tudo que o tato percebe, percebe-o bem.
Meus olhos em festa. Uma festa que pouco a pouco foi
me envolvendo e eu não sabia mais quem
era real: eu ou aqueles seres fantásticos. Realmente,
é preciso muito tempo para aprender a ver. Se para você, amigo, a visão é, de todos os nossos sentidos, o mais falível, exatamente porque é o mais
extenso, eu corroboro: eu me perdi,
Rousseau, na sedução rápida do olhar.
Mas não me arrependo, Jean.
Estive em festa nos cinco sentidos.
E o sexto, minha intuição, acordada.
Agora sei por que aquele museu se mantém suspenso.
Pelos sonhos que desperta.